ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL
  DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
 CNPJ 30.114.920/0001-00
    
 Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2011.
  
  
 Exma. Sra. Maria Ines Azevedo de Oliveira, Secretária de Educação de Niterói,
  Exmo. Sr. Claudio Mendonça, Presidente da Fundação Municipal de Educação   
  de Niterói, 
  
 Sem  grande surpresa, mas com indignação, recebemos a notícia de que foi, ou  está em vias de ser assinado, um convênio ou contrato entre a Fundação  Municipal de Educação (FME) de Niterói e o Instituto Cervantes (IC), por  meio do qual se conferirá ao último a incumbência de capacitar os recém empossados  docentes de espanhol no referido município, além de, futuramente,  ofertar cursos aos alunos da rede. Tais informações foram anunciadas na  primeira reunião da FME com os novos professores de espanhol de Niterói,  à qual compareceram também representantes do Instituto Cervantes. A  concessão de um espaço privilegiado ao IC, em tão importante momento,  revela uma significativa conotação política e nos leva a questionar a  natureza da relação estabelecida entre tais instituições.
   
 Parece-nos  um contrassenso que seja facultada a formação continuada de nossos  professores a uma instituição, como o Instituto Cervantes, que não é  universidade ou instituto superior de educação, uma vez que temos  universidades no estado e fora dele que podem fazê-lo e algumas,  inclusive, com sete décadas de experiência na formação de docentes de  espanhol. A título de exemplo, atualmente, no próprio município de  Niterói, estão sendo oferecidos cursos de formação continuada para  professores de espanhol das redes públicas, totalmente gratuitos,  financiados por um convênio firmado entre a Universidade Federal  Fluminense (UFF) e o Ministério da Educação (MEC). 
   
 De  forma alguma estamos rechaçando a parceria com instituições  estrangeiras que desejem estabelecer um diálogo efetivo e de qualidade  com as nossas instituições de ensino. No entanto, entendemos que o  interesse do Instituto Cervantes pelo ensino de espanhol no Brasil, em  muitos casos, chega a configurar-se como um desrespeito ao trabalho dos  docentes que dedicam suas atividades acadêmicas ao hispanismo. 
  Em  ocasiões anteriores, na procura por dar relevo aos seus cursos livres,  muitas vezes tentou igualá-los às licenciaturas, subestimando a nossa  capacidade de formação docente. Estamos certos de que o Instituto  Cervantes não deseja apenas estabelecer parcerias, visando somente ao  bem da formação de nossos alunos da rede pública, há propósitos  comerciais claros que alicerçam suas ações. Não se pode sobrepujar o  trabalho árduo que há 70 anos os hispanistas brasileiros vêm  desenvolvendo.
  Além  disso, vale salientar que a referida instituição possui duas  condenações na justiça brasileira: uma por propaganda enganosa,  exatamente por anunciar seu diploma de proficiência como reconhecido  pelo MEC para fins de obtenção da Complementação Pedagógica em  Letras-Espanhol; outra por violação da legislação trabalhista  brasileira, tendo em vista a contratação de professores por intermédio  de cooperativas e sem os devidos direitos garantidos pela CLT.
  Muitas  outras questões nos preocupam e, por esta razão, já nos manifestamos  contra “acordos” semelhantes propostos pelo Instituto Cervantes, dentre  elas o fato de que as aulas em cursos livres não condizem com a proposta  de ensino de espanhol como língua estrangeira em nossas escolas,  conforme é possível comprovar nos documentos norteadores da educação  brasileira, como PCN e OCEM. Nestas, é imprescindível dispensar séria  atenção à heterogeneidade cultural e linguística, à educação  intercultural, à promoção da autonomia e da co-responsabilidade social  de nossos alunos.
  A  língua espanhola deve ser, portanto, uma forte aliada à formação  cidadã, que no ambiente escolar encontra espaço mais do que propício ao  seu desenvolvimento. Conforme se acentua nas OCNEM (2006, p. 131), o  ensino de espanhol na escola brasileira “precisa, enfim, ocupar um papel  diferenciado na construção coletiva do conhecimento e na formação do  cidadão.” Como se vê, nas salas de aula, deve-se ir muito além do ensino  de estruturas linguísticas desvinculadas da interação, da história  política e sócio-cultural de seus partícipes.
  Acreditamos  que o mencionado convênio ou contrato se ancore também em antiquadas e  equivocadas crenças da supremacia de saberes europeus e consideramos  que, como educadores, não podemos dar vez a esse princípio. Afinal,  cabe-nos refletir: que lugar está reservado aos professores brasileiros  de espanhol de escolas e universidades públicas e privadas? Seremos  apenas implementadores de métodos idealizados por aqueles que pouco ou  nada sabem acerca da realidade de nosso alunado? Em que medida a questão  da produção de sentidos na interação, a diversidade, o  interculturalismo e a formação cidadã farão parte da capacitação  oferecida pelo IC? Essa instituição tem respaldo acadêmico para dar  conta de tal desafio? Que pesquisas desenvolveram sobre o assunto? Há  pesquisas que comprovem que seus materiais didáticos são apropriados a  esses fins?
   
 Considerando todo o exposto, solicitamos:
  
 1)  uma audiência para que sejam esclarecidas as questões suscitadas pela  notícia desse convênio ou contrato entre a FME e o Instituto Cervantes;
   
 2)  a divulgação dos textos firmados, considerando tratar-se a FME de uma  instituição pública que, como tal, tem a obrigação legal de manter a  transparência em suas atividades;
   
 3) as informações a respeito do processo licitatório realizado para a contratação do Instituto Cervantes.
   
  
 A  Associação de Professores de Espanhol do Rio de Janeiro (APEERJ) espera  uma rápida resposta, tendo em vista a gravidade da situação que se  apresenta e a importância da educação pública para a nossa sociedade.
   
  
 Com os nossos melhores cumprimentos,
  
  
                                                Diretoria APEERJ
                                                     (2010-2012)