terça-feira, 11 de agosto de 2009

Segunda carta da APEESP ao MEC

São Paulo, 10 de agosto de 2009


Ao Ministro da Educação, Prof. Dr. Fernando Haddad


cc ao Chefe da Assessoria Internacional do Ministério da Educação, Sr. Leonardo Osvaldo Barchini Rosa.


Agradecemos a rápida manifestação do Ministério da Educação, mediante declaração do Chefe de sua Assessoria Internacional, Sr. Leonardo Osvaldo Barchini Rosa, diante da inquietação gerada na comunidade docente a partir do acordo celebrado entre o Ministério e o Instituto Cervantes. Cremos que sua resposta mostra consideração e respeito pelas entidades e pelos profissionais envolvidos no processo de implantação da língua espanhola na escola no ensino regular. A partir da informação dada, manifestamos, por meio desta, algumas inquietudes, contextualizadas precisamente no andamento desse processo.

É inquestionável que, a partir da aprovação da Lei 11.161, que estabelece a oferta obrigatória da língua espanhola no ensino médio, diferentes ações do Governo Federal e do MEC em especial têm se encaminhado na direção de sua implantação com qualidade. Há uma visível abertura de vagas e habilitações em espanhol em muitas universidades federais, direcionada a garantir os recursos humanos necessários. O Ministério promoveu, em 2005, a elaboração de Orientações Curriculares específicas e o PNLEM para docentes de língua espanhola, tem atendido consultas dos estados, como a da Secretaria da Educação do Estado de Sergipe que motivou o Parecer CNE/CEB nº 18/2007, que esclarece ambiguidades da Lei 11.161, e atualmente prepara o PNLD para 2010.

Não obstante esse empenho do MEC, faltando meio ano para o prazo que a mencionada lei estabeleceu para o oferecimento da Língua Espanhola, observamos que em praticamente nenhum estado foram dados, pelos governos estaduais, os passos necessários para realizar essa implementação nas escolas. Não há convocatória a concurso docente para a disciplina específica, nem difusão de propostas curriculares aprovadas pelos estados. Nesse contexto, o que resulta optativo segundo o item 6 da declaração do Chefe da Assessoria Internacional corre o risco de transformar-se na única possibilidade disponível. Preocupa-nos que a disciplina Língua Espanhola, em vez de integrar-se como uma a mais no currículo, se transforme em um pacote informático elaborado fora do sistema educativo.

Com efeito, na medida em que o módulo provém de uma instituição alheia a esse sistema, não tem como integrar-se ás outras disciplinas na formação integral que as Orientações Curriculares do próprio MEC sugerem como base, nem ser objeto de planejamento, implementação e avaliação por parte do docente e da escola.

A inadequação é ainda maior quando consideramos o tipo de instituição que elabora o módulo. O Instituto Cervantes não é um centro de ensino superior, nem de qualquer outro nível do ensino regular. Fundado recentemente (em 1991), é um órgão de difusão cultural do governo espanhol, que ministra cursos livres de aprendizagem de idiomas e cursos de capacitação para professores dentro dessa modalidade e, portanto, totalmente alheia à realidade do ensino regular, não só do Brasil como também de seu país de origem. Surpreende o recurso a uma instituição desse tipo, dado que o Brasil conta com um amplíssimo acúmulo de ensino e pesquisa sobre o espanhol como língua estrangeira como atividade dos profissionais de suas universidades federais e estaduais, visível em centenas de teses e dissertações, bem como em revistas, congressos, livros e material didático específico para todos os níveis e em todos os formatos e modalidades, incluindo o ensino a distância.

É no sistema escolar e universitário brasileiro que se encontra o saber, inclusive metodológico, sobre o ensino de espanhol a brasileiros em seus diferentes contextos de ensino/aprendizagem. A respeito, no item 7 da já referida declaração, a Assessoria Internacional se coloca à disposição para receber contribuições das universidades para a tarefa de implantação do espanhol. Vários de nossos associados são professores das universidades públicas. Sabemos, em consequência, que eles colaboram de maneira sistemática e constante com o MEC e com as secretarias de Educação dos estados em tudo aquilo para o que são convocados: comissões de avaliação de materiais didáticos, de desenho de orientações e parâmetros curriculares, e outras tarefas. Em especial, no estado de São Paulo, docentes das universidades públicas, vários deles membros desta Associação, elaboraram, em 2007, com apóio das reitorias, uma proposta de formação emergencial de professores que foi entregue à Secretaria de Estado da Educação. Reiteramos essa disposição, que vem a ser mais um motivo para que nos surpreenda a convocação de uma instituição estrangeira não universitária que, precisamente por seu caráter, não poderá ser objeto de avaliação pelo sistema educativo nacional.

Por último, mas não menos importante, os conteúdos do modelo proposto pelo IC também mostram um claro descompasso com as necessidades da escola brasileira e com as Orientações do próprio MEC. Não se trata apenas de uma metodologia, já que, como se explicita na resposta do Chefe da Assessoria, será implementado o curso “Hola, amigos”, derivado do AVE (Aula Virtual de Español). Esse curso, elaborado na Espanha, não tem como atender as necessidades mencionadas. Como é de público conhecimento, e consta também na programação do curso do IC que recebemos por meio de colegas professores, o modelo se enquadra nos parâmetros do Marco Comum de Referência Europeu (MCRE). Não apenas o Brasil não é parte da União Européia, nem a realidade dos alunos de nossas escolas se adequa a esse contexto, como existem inúmeras ações educativas desenvolvidas no contexto do Mercosul, nas quais o próprio MEC tem liderança. Referimo-nos aos acordos do Mercosul Educacional, incluindo os de reconhecimento de diplomas para continuidade de estudos e as reuniões de universidades dos países do bloco, como a acontecida em 2007 em Brasília, promovida por este Ministério, que chegou a importantes acordos sobre a promoção do bilinguismo na região. Também levamos em conta o reconhecimento mútuo dos exames de proficiência CELP-Bras e CELU, e a recente criação da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), bem como projetos como os de Escolas Bilingues de Fronteira. Esse processo de integração com os países vizinhos levou a que neles comece a ser implantado o português como língua escolar de oferta obrigatória, fato sem precedentes em outros países do mundo e que não forma parte da agenda educativa da União Européia.

Porque reivindicamos essa trajetória do MEC, o atual acordo com o IC nos aparece como um gesto contraditório. E levando em conta o contexto de inação no planejamento dos estados para a implantação do espanhol na escola, surge nossa preocupação quanto ao que possa derivar desse acordo, que pode estimular, nos estados, soluções “fáceis” para o não planejamento quanto a grades e recursos humanos, que não contemplem a qualidade de ensino ou signifiquem que o sistema educativo se desresponsabilize a respeito dessa língua.

Por todo o expressado, e no intuito de colaborarmos com V. Sa. e com o Ministério para garantir uma implantação da disciplina “Língua espanhola” que atenda os objetivos pautados pelas Orientações Curriculares Nacionais, com espaço na grade escolar e professores habilitados para seu ensino, solicitamos uma reunião do Ministério com uma comissão integrada por representantes dos cursos de espanhol das universidades públicas e das associações de professores, da qual nos comprometemos a formar parte.


APEESP

Gustavo Leme Cezário Garcia – Presidente da APEESP

Adrián Pablo Fanjul: Vice-Presidente da APEESP

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